Há 40 anos… dia 8 de abril de 1977.
POR BRUNO FIUZA*
No fim da década de 1970 a Inglaterra era uma panela de pressão. O país vivia sua pior crise econômica desde a década de 1930 e a tensão social pipocava por todos os lados: desemprego em alta, greves, inflação e violência crescentes, ataques racistas contra imigrantes vindos das antigas colônias britânicas no Caribe. As grandes cidades – e sobretudo Londres – estavam prestes a explodir.
Em meio a toda essa turbulência, em 1977 a indústria musical do país foi sacudida pelo lançamento de um disco que sintetizava todo o espírito da época em uma única palavra. No dia 8 de abril daquele ano chegava às lojas The Clash (“O Conflito”, em inglês), álbum de estreia da banda homônima que transformaria um ritmo musical em uma nova forma de ativismo político radical.
Fundado em 1976 por Mick Jones, Joe Strummer e Paul Simonon (além de Keith Levene e Terry Chimes, que deixaram a banda antes do lançamento do primeiro disco), o Clash deu um novo significado ao punk rock. O ritmo havia nascido nos Estados Unidos, em meados da década de 1970, quando bandas como Ramones e New York Dolls promoveram uma volta às origens do rock, tocando uma música simples, rápida e agressiva para falar da vida dos desajustados sociais. Mas foi na Inglaterra que o punk ganhou contornos políticos. Ao chegar à Grã-Bretanha pelas mãos dos Sex Pistols, o ritmo ganhou uma clara identidade de classe, tornando-se a trilha sonora dos jovens da classe trabalhadora, e foi nesse contexto que o Clash transformou em revolta o que até então era apenas uma atitude de negação do sistema.
Ao contrário dos Pistols, que pregavam uma postura niilista diante dos problemas da vida, o Clash lançava um chamado à revolta ativa contra o sistema, traduzindo em letra e música as experiências de vida de seus integrantes. Joe Strummer vivia em um squat (casa ocupada), enquanto Mick Jones e Paul Simonon haviam crescido em bairros populares da zona sul de Londres onde se instalaram os imigrantes caribenhos – principalmente jamaicanos – que chegaram à Inglaterra a partir da década de 1950.
Eles conheciam de perto o caldeirão social que era a Londres dos anos 1970. Tanto que Strummer e Simonon estavam presentes quando no dia 30 de agosto de 1976 os imigrantes caribenhos que organizavam um carnaval no bairro de Notting Hill se revoltaram contra a repressão policial e atacaram mais de 100 policiais que realizavam revistas abusivas. O episódio inspirou a letra de “White Riot”, música em que Strummer e companhia convocam os brancos a se revoltarem contra o sistema da mesma forma que os negros estavam fazendo.
O contato com a comunidade de imigrantes jamaicanos também foi responsável por outra marca registrada do Clash: a mistura do punk com ritmos jamaicanos, como o reggae e o ska. Mistura essa que já aparece no primeiro disco, no cover de “Police and Thieves”, reggae composto por Junior Murvin para denunciar a violência e a repressão policial na Jamaica, mas que também se aplicava perfeitamente aos bairros negros de Londres.
The Clash é um verdadeiro manifesto contra a vida opressiva e alienante da juventude inglesa no fim dos anos 1970. Basta uma rápida passada de olhos na lista de músicas do disco para ter uma ideia do quadro que ele pinta: “I’m So Bored With the USA”, “White Riot”, “Hate & War”, “London’s Burning”, “Police and Thieves”, entre outras. Mas ao contrário das demais bandas punks da época, o Clash não exaltava uma atitude de negação e indiferença diante de um mundo podre, mas chamava à ação, denunciando a passividade dos acomodados – “Londres está ardendo de tédio”, diz o refrão de “London’s Burning”; “Todos estão fazendo o que lhes mandaram fazer e ninguém quer ir para a prisão”, diz um verso de “White Riot”.
Por tudo isso, o Clash colocou o punk em um novo patamar. Cantando com camisetas de grupos revolucionários europeus da época, como as Brigadas Vermelhas italianas e a Fração do Exército Vermelho alemã (mais conhecida como grupo Baader-Meinhof), Joe Strummer, Mick Jones e Paul Simonon ensinaram toda uma geração a combinar a agressividade daquele novo tipo de rock com uma revolta contra o sistema.
Tudo isso transformaria o estilo musical em uma parte importante de uma nova cultura política anticapitalista surgida na Europa dos anos 1970 e 1980, a partir da militância de coletivos autonomistas que na década de 1990 estariam na linha de frente do chamado movimento “antiglobalização”. Nada mais justo, portanto, que a homenagem póstuma a Joe Strummer feita pelos participantes do Fórum Social Mundial de 2003.
* Bruno Fiuza é editor, jornalista e mestre em História Econômica pela Universidade de São Paulo.
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