Há 1 ano… dia 6 de março de 2013.
POR TIAGO MOLER*
Minhas duas paixões na vida sempre foram o futebol e a música. E, entre essas duas artes, nunca elegi uma. Um golaço me desperta a mesma emoção do refrão cantado com todo o ar que cabe nos pulmões.
O jornalismo virou profissão porque eu gosto de contar histórias. Acabei indo parar no esporte. Não sei dizer se seria mais feliz falando de música. Mas hoje o Mellinho me deu a chance de falar de música. Mais especificamente um músico, brilhante, genial e deprimido.
Os anos 1990 foram demais pro rock. Pra mim, a última grande época do estilo que mais gosto de ouvir. Contando o planeta inteiro a década começou com Nevermind do Nirvana, Ten do Pearl Jam e o álbum sem título que ficou conhecido como Black Album do Metallica. São 3 plays que estão na minha lista dos 10 mais da minha vida.
O cenário mundial afetou o brasileiro. Com tanta gente boa arrebentando fora, dentro do país tínhamos quantidade, qualidade e diversidade. O punk rock dos Raimundos, o reggae brasileiro do Skank e Cidade Negra, o hip hop do Planet Hemp e o mangue beat do Chico Science ofereciam músicas empolgantes pra todos os tipos de gosto. Pra entrar nessa roda tinha que ter algo novo, diferente.
Logo de cara uma tijolada. “O coro vai comer” invadiu a frequência da 89 (que graças a Deus voltou!!!) com um riff nervoso de guitarra e o baixo comendo solto. No vocal, um garoto com ar de deslumbrado exalava empolgação e talento. Nas rimas cheias de energia do raggamuffin morava a indispensável novidade. Era 1997 e o Charlie Brown tinha chegado pra ficar. Logo depois estouraram “Tudo que ela gosta de escutar” e “Proibida pra mim”.
Era uma molecada com carisma. A história do nome da banda (Chorão bateu o carro num quiosque de Santos que chamava Charlie Brown e assim batizou o grupo), o amor pelo skate, a nítida gratidão aos fãs, tudo jogava a favor. Eles mereciam. Até o nome do CD era legal e sugeria humildade: Transpiração Contínua e Prolongada. Como é a vida de quase todo brasileiro.
Mas um outro sucesso, desse primeiro trabalho mesmo, trazia no refrão uma profecia. Na música “Quinta-feira”, Chorão avisou: “parecia inofensiva, mas te dominou”. No clipe o gesto dele, sentado numa bike, cantando essa parte da letra, revelava que a cocaína estava presente de alguma forma na vida do Chorão. Só não dava pra ter certeza do quanto…
O segundo trabalho dos caras seguiu a linha do sucesso. “Confisco”, “Zoio de Lula” e “Te Levar” arrebentaram. E foi assim, disco após disco, sucesso atrás de sucesso. Tocaram na Xuxa. Trocaram a letra pra cantar na Xuxa… Tiraram o palavrão. Foram escolhidos como música tema da interminável novela Malhação. Champignon virou hours concours, ganhava qualquer eleição pra melhor baixista. Chorão estava tinindo e a banda recebia uma energia do público que era única no país, isso já entrando pelos anos 2000.
Enfim, os caras chegaram ao céu. E foi aí que caíram, lá do alto. Como fã, vendo tudo à distância, culpei justamente o Chorão.
Como é comum aqui no nosso País, quem se destaca vira alvo. Não tem jeito. Pelo menos não teve até hoje. A patrulha foi grande e em alguns casos o Chorão deu brecha.
Sempre ouvi que a letra de “Papo Reto” era um recado do vocalista pro Tiago, ex-guita da banda. A letra diz: “Você deixou ela de lado pra falar com seus amigos sobre suas coisas chatas./ Ela deu brecha e eu me aproximei porque eu me fortaleço é na sua falha./ Ela estava ali sozinha querendo atenção e alguém pra conversar./ Você deixou ela de lado, vai pagar pela mancada, pode acreditar!/ Se for, já era! Eu vou fazer de um jeito que ela não vai esquecer”. Uma letra legal, gostosa de cantar. Só que sobre uma canalhice: roubar a mulher do amigo…
Chorão parecia não se importar mais com o julgamento. Colocou algumas vezes na sua arte o desprezo pela sociedade. Sem perceber, julgou os outros. Inclusive os mais próximos a ele. Quando Champignon foi tirado da banda, em 2005, o Charlie Brown pra mim acabou. Quebrou a engrenagem. Nunca mais me empolguei com os caras. Foi tipo o Raimundos sem o Rodolfo ou o Sepultura sem o Max. Quebrou o encanto.
Chorão estava cada vez mais rico e cada vez mais louco. Assumiu a “marginalidade” com uma enorme tatuagem no braço. Expôs suas feridas pra todo mundo. Gritou “que se foda essa porra de sociedade”. Na verdade ele gritava contra ele mesmo, contra os demônios que o cercavam. Era a maldita cocaína ganhando força, deixando de vez de ser inofensiva.
A banda “deu uma sumida”. Saiu da mídia. Até a volta do Champignon foi patética. Uma cena ridícula. No palco, foi chamado de mercenário e expulso pelo Chorão no meio do show. Pior foi o vídeo armado do pedido de desculpas deles, como se estivessem se importando com alguém.
Tão marcante como o começo deles foi a última entrevista que eu vi do Chorão. Foi pra uma rádio que estava fazendo uma programação especial de verão. A banda toda alinhada pra conversar antes do show na praia. No papo com a apresentadora com cara de modelo burra (não que ela seja), cinco caras se estranhando. Ali tinha tudo, menos uma banda. Não havia harmonia. Era uma conversa fria. Num momento Chorão revelou: “Passei o Ano Novo sozinho no meu apartamento em São Paulo. Dei um murro na parede, descobri que não sou uma boa companhia.” Vi essa entrevista há menos de um ano. Ou seja, ele já estava morto.
Chorei a morte dele. Fiquei triste. Lembro que peguei o jornal pra ler sobre a passagem só de ida pro inferno do Hugo Chávez. Mas a manchete trazia a morte do Chorão. Tive que ler umas 2, 3 vezes pra entender. O cara morreu.
Uma vez conversei com ele. Muito rápido. Encontrei com o cara no corredor da TV que trabalho. Ele ia participar de um programa. Foi muito simpático comigo, mas interrompeu a conversa ao ser informado por um assessor que a Mallu Magalhães tinha aceitado recebê-lo pra eles se conhecerem no camarim. Justo a mina do cara que ele deu uma linda cabeçada num aeroporto. Como criança feliz, foi ver a não menos infantil cantora (que graças a Deus desapareceu!).
Hoje, quando lembro do Chorão, eu fico feliz. Ele viveu o sonho dele. Errou pra caramba. Mas tenho certeza de que foram mais acertos. Como músico, Chorão foi um vocalista impecável. Tinha personalidade, apavorava no palco. Dançava, cantava, empolgava. Colocava pra fora a alma.
Aprendi com um jornalista muito mais malandro do que eu que a gente não deve nunca nos aproximar de nossos ídolos. Chegar tão perto faz a gente ver que eles são falíveis, com tantos defeitos quanto a gente. A decepção é inevitável, porque a gente espera que eles sejam perfeitos.
Hoje, quando eu lembro do Chorão, o vejo sorrindo e cantando. Um ídolo. Longe de mim. Há um ano, longe desse mundo. Eternizado com sua arte.
*Tiago Moler é jornalista, apaixonado por música e futebol.
Veja e ouça a música “O coro vai comer”, em show de 1998: