Há 10 anos… dia 30 de novembro de 2006.
POR FELIPE SANT’ANGELO*
Sacha Baron Cohen tem sua formação como ator marcada por um curso de bufão com um francês especialista no assunto, Philippe Gaulier. A linguagem do bufão é algo fundamental para entender suas personagens e sua relação com o público.
Os bufões ou bobos da corte eram criaturas deformadas que se valiam dessa condição grotesca para dizer, diante do Rei, verdades que ninguém jamais diria sem ser morto – e ainda arrancar risadas por isso. Enquanto palhaços revelam o próprio ridículo, bufões apontam o dedo para as pessoas à sua volta e dizem: “vocês são ridículos, hipócritas, perversos…” e assim por diante. Dizem isso impunemente, porque já são párias, deformados, bizarros. E como diria Bob Dylan: “when you got nothing, you got nothing to lose”.
Borat Sagdiyev (em cazaque cirílico: Бора́т Сагди́ев), personagem de Sacha Baron Cohen, é uma espécie de bufão. Sua deformidade não é física, como tendem a ser os bufões tradicionais. É uma personalidade deformada. É racista, misógino, homofóbico, preconceituoso, chega até mesmo a fazer apologia à pedofilia e ao incesto. Ao se colocar dessa maneira tão escancaradamente bizarra, ele está na verdade apontando o dedo para toda a sociedade à sua volta, e tudo o que temos de mais terrível.
Do confronto entre essa personagem totalmente absurda e grotesca e pessoas reais, gerando situações maravilhosamente constrangedoras, nasce o filme “Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América”. A linguagem é uma evolução do que ele já vinha fazendo em TV, mas que no cinema ganha muito em impacto. Um grande happening, um mockumentary, ou até mesmo uma grande pegadinha… Havia algo de indefinível no que ele propunha como cinema, principalmente há dez anos. Mas depois disso o estilo se espalhou e desgastou, de modo que até os filmes seguintes do ator/diretor/roteirista/performer/bufão não tiveram o mesmo impacto ou relevância que esse, mesmo que com boas piadas e situações.
Por outro lado, é muito interessante rever o filme hoje, porque ali, de alguma maneira, está mais que explicado porque uma figura como Donald Trump consegue se eleger presidente dos EUA. Bom seria se, por trás daquele show asqueroso de misoginia e racismo que é o presidente eleito americano, surgisse um Sacha Baron Cohen e revelasse que a eleição não passou de uma grande “zoeira”. Infelizmente, isso não vai acontecer.
Mas essa eleição fica pra outro dia… Porque todo dia é histórico.
* Felipe Sant’Angelo é escritor, dramaturgo e roteirista.
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– IMDb