Há 25 anos… dia 28 de dezembro de 1989.
POR ARTHUR MELLO*
Não me lembro desse dia especifico, mas sou da geração que foi obrigada a conviver uma boa parte da vida com uma inflação tão grande que é até difícil de fazer conta. Precisei de uma planilha pra poder ter certeza que uma inflação de 1.764% ao ano significa que a população brasileira que deixasse seu dinheiro parado perdia pouco mais de 1% da sua riqueza diariamente. Imagine o ano de 1993, que registrou 2.477%, então!
As memórias de cada um são obviamente diferentes. Alguns se lembram das compras do mês, logo depois de receber o salário. Os office-boys correndo pra depositar cheques com as portas dos bancos se fechando. As tabelas de imposto de renda ou as maquininhas infernais de remarcação dos preços.
Minha memória, de alguma forma, foi um dos motivos que me fizeram aprender a cuidar do meu próprio dinheiro desde muito cedo. Quando entrei no colégio, na primeira série, passei a ganhar minha “semanada”. Podia fazer o que desejasse: comprar figurinhas, revistinhas da Turma da Mônica e do Tio Patinhas, um salgadinho na hora do recreio. Ou, então, guardá-la.
Como guardar dinheiro em uma época como essa? Sem uma conta bancária onde pudesse investir no “overnight”? E mais: como manter o mesmo poder de compra ao longo do tempo sabendo que, passado um mês, eu perderia um terço do meu dinheiro pelo simples fato de deixá-lo na gaveta? A resposta que meu pai encontrou pra resolver todos esses problemas foi até simples. Minha semanada não era em cruzeiros, cruzados, cruzeiros novos, cruzados novos: eu ganhava 1 dólar por semana. Na segunda pela manhã, verificava a cotação do dólar no jornal e falava se queria o dinheiro na moeda brasileira ou americana.
Com isso, se não precisasse comprar nada, guardava meu dinheiro tranquilo. E mesmo com o tempo passando, eu sempre estava protegido do dragão da inflação, já que o dólar era a reserva de valor sempre corrigida pela inflação.
Sei que era exceção em um País onde a maioria das pessoas via sua renda sendo sugada para um buraco negro sem fim a cada segundo. Hoje já temos uma geração adulta nascida após o Plano Real e que mal sabe como foi viver as agruras de uma época em que era difícil de avaliar se as coisas eram caras ou baratas.
Após o Plano que acabou com esse custo nefasto para a população mais pobre, temos hoje uma inflação de 6,5% ao ano. Ainda assim, os 2 pontos percentuais acima da meta, motivos de tantos debates e brigas ao longo dos últimos meses, funcionam como sangramento lento e contínuo, que após 30 anos pode cortar pela metade o poder de compra de toda a população. Não é pouca coisa. Ao contrário, é muito.
O Plano Real é brilhante e uma grande injustiça: por muito menos, alguns economistas ganharam o prêmio Nobel.
Mas essa polêmica e essa história ficam pra outro dia… Porque todo dia é histórico.
* Arthur Mello é um curioso. Engenheiro que trabalha no mercado financeiro por acaso. Viajante que adora livros e, acima de tudo, apaixonado pelas histórias que as pessoas têm para contar. Essa é a minha vida, isso é um pouco da minha história.
Documentário sobre a história da inflação no Brasil:
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