Há 50 anos… dia 19 de maio de 1966.
POR FELIPE FIGUEIREDO MELLO*
Já falamos aqui sobre Rubber Soul, lançado em 1965, e como o álbum significou o início do rompimento da banda com o frenesi da beatlemania, com a estética pop que eles próprios inventaram e com as canções melosas do início da carreira. Em Revolver, de 1966, considerado uma continuidade absolutamente natural do anterior, a jornada de amadurecimento dos quatro continua e se intensifica.
Pois bem: a história do álbum fica pra outro dia! O que há mesmo de histórico hoje é a gravação de uma música específica do disco. Uma das minhas preferidas dos Beatles e, certamente, entre as dez mais que mais gosto do meu beatle favorito!
A gravação de “For No One”, uma Lennon-McCartney com todas as digitais do segundo e a ‘simples’ chancela do primeiro, completa hoje 50 anos! E se você não conhece ou não prestou atenção, procure lá no LP, K7, CD ou Mp3: é uma melodia linda e uma letra maravilhosa!
Não é uma simples canção de amor. É como se Paul tivesse represado todos os seus conhecimentos e aprendizados de suas músicas anteriores e empregado, qual um artesão, na confecção dela. Tem a variação melódica de “From Me To You”, tem a sacada do eu-lírico deslocado de “She Loves You”, tem a profundidade e o desprendimento amoroso de “I’m Looking Through You”. E tem uma novidade: Paul tentando pisar no desconhecido e misterioso território da alma feminina.
She wakes up, she makes up
She takes her time and doesn’t feel she has to hurry
She no longer needs you
É preciso perceber que qualquer garoto suburbano de 23 anos dificilmente teria esse grau de sensibilidade. Ainda mais em 1966, quando o mundo e a cultura ocidental vigente começava a se dissolver diante de todos. Absolutamente admirável!
Paul conta em diferentes ocasiões que escreveu a letra em um breve e raro período de descanso ao lado da namorada da época, Jane Asher. O casal alugou um chalé em Klosters, na Suíça, para esquiar e descansar alguns dias. Foi no banheiro do chalé, possivelmente depois de uma briga com Jane, que ele colocou no papel.
A gravação contou com apoio e arrojo de George Martin na escolha do trompete francês, um instrumento de que Paul gostava desde criança quando ouvia o pai tocar, e do clavicórdio, que é parecido com o cravo, e que ficou sob os cuidados do próprio Macca. Alan Civil, conhecido na época como o melhor trompetista de Londres, ficou encarregado do sopro.
Martin se lembra de propor a Civil para tocar parte do solo um tom acima do que o instrumento oficialmente suportaria. Um trompetista comum não conseguiria, mas Civil sim. Ocorre que, já no primeiro take, Civil deu tudo de si, saindo uma gravação impecável. E Paul, intencionalmente ou não, disse a Civil que “você poderia fazer melhor, não?!”. Martin conta, rindo, que Civil quase explodiu, mas gravou mais dois takes! O primeiro acabou ficando definitivo no que hoje escutamos.
Uma interpretação pessoal que tenho da letra é que o casal contextualizado nela são referências à relação da própria banda com seu público. Uma relação estremecida em 1966, ano do último show do quarteto. É o que dá a entender a passagem em que “For No One” toca no documentário “Anthology”.
Em 1980, na ocasião de sua última entrevista, para a Revista Playboy dos Estados Unidos, John Lennon diz que “For No One” é uma das músicas mais bonitas de seu parceiro Paul.
Mas essa história fica pra outro dia… Porque todo dia é histórico.
* Felipe Figueiredo Mello sempre se impressiona com “there will be times when all the things she said will fill your head…”
Gravação de “For No One”:
Fontes e +MAIS: