Há 25 anos… dia 31 de maio de 1989.
POR PEDRO DE LUNA*
Para se entender o tamanho da importância da conquista da Libertadores pelo Nacional de Medellín, há exatos 25 anos, há de se voltar no tempo e conhecer o contexto de uma época em que o clube tinha um mecenas e uma asa negra.
Até a segunda metade dos anos 1980, o futebol colombiano era um mar de “quases”. O máximo que a seleção cafetera havia conseguido era uma única – e modesta – participação na Copa do Mundo de 1962 e o vice-campeonato da Copa América de 1975, perdendo para o Peru de Teófilo Cubillas na final.
Os clubes também sofriam com este estigma. Apesar da imensa popularidade do esporte no país – e do suporte financeiro e político dos cartéis de Cali e Medellín, beneficiados pelo boom da cocaína na Europa e EUA na década yuppie – as equipes colombianas pareciam mesmo fadadas a bater na trave quando o assunto era conquistar o continente. O América de Cali, tri-vice-campeão da Libertadores em 1985, 86 e 87 – façanha até hoje inigualada – que o diga.
A seca era tão notória que se criou uma máxima jocosa na competição: “La Copa se mira y no se toca”. Tratava-se de uma provocação referente ao fato de nunca uma equipe de um país com a costa no Pacífico ter levantado a Libertadores, até então um privilégio restrito aos clubes paraguaios, uruguaios, argentinos e brasileiros, países banhados pelo Atlântico.
Nos anos 1980, no entanto, isso mudou. O futebol cafetero revelou uma safra fantástica de craques e entrou nos seus anos dourados, tendo como maior expoente o Nacional. Amparados pelo dinheiro e influência do chefão do cartel de Medellín, Pablo Escobar, os verdolagas montaram um dream team da Colômbia, apelidado de “puros criollos”, por só contar com atletas colombianos, contrariando a tradição firmada no futebol local nas décadas anteriores de apostar em estrangeiros.
A apimentada rivalidade com o Millonarios, maior time da capital Bogotá, deu o tempero ideal a essa controversa e inesquecível era de glória. Nos bastidores, os dólares de Pablo Escobar sempre falavam mais alto. Assim, o clube conseguiu “surrupiar” reforços como “Chicho” Perez, Leonel Álvarez, Gildardo Gómez e Luis Carlos Perea, que já estavam acertados com os Millos, mas terminaram vestindo as cores verde e branca. Lá, se juntaram a revelações como o extravagante goleiro René Higuita, o zagueiraço Andrés Escobar, o incansável Alexis García e o matador John Jairo Tréllez, comandados pelo lendário Francisco Maturana, uma espécie de Telê Santana da Colômbia.
A fila de 8 anos sem conquistas incomodava a fanática torcida verdolaga. O fato de os títulos colombianos de 1987 e 88 terem escapado pelos dedos e sido vencidos justamente pelo Millonarios parecia algo como uma ferida narcísica. Ser uma referência de futebol arte no país era ótimo, mas de que adiantava se isso não se traduzia em troféus?
O vice-campeonato de 1988, perdido no saldo de gols, doeu, mas classificou o Nacional para a Libertadores. Em seu grupo, estavam os rivais e carrascos do Millonarios, além dos equatorianos do Emelec e do Deportivo Quito, que tinham como aliada a temida altitude. A competição recebeu prioridade máxima, o que fez Maturana poupar seus titulares na disputa do Campeonato Colombiano, vencido pelo América de Cali.
Nos três primeiros jogos, todos fora de casa, três insossos empates. Nos três confrontos seguintes, jogando no Atanásio Girardot, uma preocupante derrota por 2×0 para o Millonarios, seguida de duas vitórias fáceis sobre os equatorianos, bastaram para classificar a equipe para o mata-mata, com 7 pontos. Até então, contudo, nada indicava que se tratava de um candidato ao título, o que se refletia na desconfiança da torcida e imprensa locais.
Nas oitavas, uma pedreira: os argentinos do Racing, treinados por Alfio Basile, campeões da Supercopa de 1988, e que contava com Fillol no gol e Rubén Paz (cracaço uruguaio) no ataque. Uma prova de fogo para os colombianos. Na ida, em Medellín, com gols de Tréllez e Villa, os verdolagas conquistaram um importantíssimo 2×0. Na volta, em Avellaneda, a derrota por 2×1 deu a vaga ao esquadrão capitaneado por Alexis García. Nas quartas de final, então, veio o aguardado reencontro com a maior asa negra da equipe: o Millonarios, que havia passado nos pênaltis pelo Bolívar.
Na ida, num Atanásio Girardot abarrotado com mais de 40 mil torcedores, a pressão do Nacional foi intensa, mas a vitória foi magra: apenas Usuriaga (finado centroavante com passagem pelo Santos nos anos 1990) conseguiu balançar as redes defendidas pelo mítico goleiro argentino Sergio Goycochea. O 1×0 magro foi comemorado com cautela. No jogo de volta, no El Campín, Estrada abriu o placar para os embajadores, mas o matador Tréllez empatou para os verdolagas, que resistiram ao ímpeto ofensivo dos rivais e ao clima hostil do estádio. Até hoje, muitos torcedores do Millonarios reclamam da não marcação de um pênalti claro de Higuita sobre Iguarán, ignorado pelo árbitro chileno Hernán Silva. Com ou sem o apito amigo – e a provável influência de Pablo Escobar na pressão aos homens de preto – o fato é que finalmente o Nacional havia derrotado seu maior algoz dos últimos anos, e logo na competição mais importante de todas.
Nas semifinais, um novo desafio: o Danúbio, do Uruguai. Na primeira partida, no Estádio Centenário, em Montevidéu, um bom empate em 0x0. Na volta, em Medellín, um autêntico chocolate. Com direito a quatro gols de Usuriaga e um baile inesquecível, o Nacional fez 6×0 nos uruguaios e se classificou em grande estilo para a final, contra o tradicional Olímpia (PAR), que havia conseguido eliminar o Inter em pleno Beira-Rio. Toda cautela era pouca e o grande desafio de Maturana foi conter a euforia de seu elenco, ainda desacostumado a decisões como essa.
Na partida de ida, no Defensores del Chaco, em Assunção, o Olímpia – comandado pelo uruguaio Luis Cubilla, que em 1983 havia treinado o Nacional – confirmou o retrospecto de ser imbatível em casa e venceu por 2×0, com gols de Sanabria e Bobadilla – este um verdadeiro golaço, de puxeta e de fora da área. Não bastasse a preocupação imensa com o resultado adverso, o Nacional teve de lidar com o veto da Conmebol ao Atanásio Girardot, que não atendia à capacidade mínima de um estádio para uma decisão (50 mil lugares). O jeito encontrado foi atuar em Bogotá, 450km distante de Medellín. E em que estádio? Sim, no El Campín, casa do rival Millonarios.
No dia 31 de maio de 1989, a história do futebol colombiano viu sua mais importante página ser escrita. Mais de 30 mil hinchas verdolagas viajaram para apoiar a equipe no El Campín, juntando-se aos torcedores que lá já estavam. E os “puros criollos” de Maturana se mostraram valentes o bastante para não repetir o fracasso do América de Cali em finais anteriores. Em um jogo franco, com chances para os dois lados, Higuita parecia iluminado e fez várias defesas. Eis que, aos 34 minutos, o lateral Miño, com um gol contra, inaugurou o placar para os donos da casa. No segundo tempo, logo no primeiro minuto, o gigante negro da camisa 19, Usuriaga, de cabeça, fez o segundo e colocou o estádio em chamas, atingindo um IDH superior ao da Suécia naquele momento (?).
Apesar da intensa pressão do Nacional, o terceiro gol – que seria o do título – não saiu e a partida foi para os pênaltis. O que se viu foi Higuita vivendo um momento de epifania. Logo na primeira cobrança, o goleiro cabeludo defendeu o chute de seu colega de posição, Ever Hugo Almeida. Para azar dos verdolagas, no entanto, o capitão Alexis García desperdiçou sua cobrança, encerrando a série regular em 4×4. Nas alternadas, algo raríssimo ocorreu: três jogadores de cada lado, seguidamente, erraram suas penalidades. Higuita já havia defendido quatro cobranças, mas seus companheiros teimavam em entregar a taça de volta para os paraguaios. E veio o quarto tiro do Olímpia e Sanabria isolou a pelota! O próximo não erraria: Leonel Álvarez ajeitou com carinho, olhou para a posição de Ever Hugo Almeida e o deslocou. Bola de um lado, goleiro de outro.
Fim de papo. Fim de jogo. Fim de sofrimento. Fim de Libertadores. Fim de fila. O Atlético Nacional de Medellín, impulsionado por uma geração fantástica de talentos puros criollos, pela liderança de Andrés Escobar, pela estrela de Higuita, pelo talento inovador de Maturana, por uma torcida fanática e, também, pelo poderio e dinheiro de Pablo Escobar, dizia a toda a América, em alto e bom som: “La Copa, muchachos, se mira y se toca!”
* Pedro De Luna, 25 anos, é amante do esporte bretão desde os 3. Preferia Andrés a Pablo Escobar e vibrou muito com os gols de Aristizábal pelo São Paulo.
Veja um resumo da grande decisão, em Bogotá:
Fontes:
– ocampodossonhos.blogspot.com.br
+MAIS: Não deixe de assistir ao documentário da ESPN “The Two Escobars”, que faz um elo entre Andrés e Pablo. É ESPETACULAR!
Caro Rômulo, muito obrigado pelas palavras e elogios!
Quem merece lê-las é o Pedro de Luna, autor do texto. Vou encaminhar a ele!
Sempre bom receber o reconhecimento pelo trabalho.
Espero que continue com o efemérides!
Grande abraço,
Fernando.
Cara, sempre achei interessante essa relação entre os cartéis colombianos e o futebol, ainda que espúria, rendeu histórias e deixou transparecer a influência política do futebol.
Procurando um site pra ler sobre a conquista do Nacional pela Libertadores, arrisquei seu texto mesmo sendo de um site que nunca antes havia entrado: não me arrependi! Palmas para seu texto, conseguiu demonstrar a saga épica da conquista do Nacional! Fiquei fã dessa história. E no final ainda me poupou tempo de procurar os melhores momentos da final em Bogotá.
Parabéns!
Saudações esmeraldinas (Goiás).