Há 120 anos… dia 20 de julho de 1897.
POR NETA MELLO*
O relógio marca 4 horas da tarde.
Rachel de Queiroz, Diná Silveira de Queirós e Zélia Gattai são as primeiras a chegar para o chá da quinta-feira. Vestem a versão feminina do fardão dos membros da Academia, quase igual ao masculino – calça e blusa de cambraia inglesa com bordados em fios de ouro vindos da França, que representam ramos de café. Um ar aristocrático, um tanto elitista, que faz parte da tradição centenária de um ritual quase sagrado. A Academia Brasileira de Letras como guardiã da língua e da literatura brasileira. Mantém acervo dos escritores que passaram por suas cadeiras.
Aos poucos, chegam Machado de Assis, Olavo Bilac, Artur Azevedo, Rui Barbosa, Santos Dumont, Afrânio Peixoto, Alcântara Machado, Euclides da Cunha, Américo Jacobina Lacombe, Olegário Mariano, Mário Palmério, Oswaldo Cruz, Cassiano Ricardo, Viriato Correia, Barão do Rio Branco, Alfredo Pujol, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Paulo Setúbal, Afonso Arinos, Guilherme de Almeida, Roquette Pinto, Humberto de Campos, Orígenes Lessa, Celso Furtado, Raymundo Faoro, José Lins do Rego, Josué Montello, João Cabral de Melo Neto.
Não só de escritores vive a Academia, como mostra a listagem. O vozerio abafa a entrada de mais um grupo. Darcy Ribeiro, Antônio Houaiss, José Mindlin, Ariano Suassuna, João Ubaldo Ribeiro, Moacyr Scliar, Sábato Magaldi e Ferreira Gullar. Conversam sobre personagens reais e de seus livros, os problemas do País, crise política, corrupção, educação, saúde.
A longa mesa com toalha e guardanapos de linho, louças chiques, talheres de prata com lugar para os quarenta membros.
Machado de Assis bate os dentes de um garfo de prata numa taça de cristal. Pede silêncio: “Senhoras e senhores, sei o quanto é difícil interromper o encontro por alguns minutos. Tempo e assunto não faltarão, mas peço a palavra para um brinde. Esta casa comemora 120 anos de funcionamento. Os tempos eram outros, como podem atestar muitos aqui presentes.”
“Não é preciso definir esta instituição. Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com a alma nova e naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia Francesa, pela qual esta se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda a casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso. Já o batismo das suas cadeiras com os nomes preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloquência nacionais é indicio de que a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele perdure. Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira.”
(discurso de abertura, 20 de julho de 1897)
“A Academia, trabalhando pelo conhecimento desses fenômenos buscará ser, com o tempo, a guarda da nossa língua. Caber-lhe-á então defendê-la daquilo que não venha das fontes legítimas — o povo e os escritores — não confundindo a moda, que perece, com o moderno, que vivifica. Guardar não é impor; nenhum de vós tem para si que a Academia decrete fórmulas. E depois para guardar uma língua, é preciso que ela se guarde também a si mesma, e o melhor dos processos é ainda a composição e a conservação de obras clássicas.
(discurso de encerramento do ano de 1897)
Foto: o mais antigo registro fotográfico de uma sessão pública da Academia Brasileira (1909), ainda no Silogeu.
* Neta Mello, 62 anos, é historiadora e escritora. Tem cinco livros publicados (o último, Eu não sabia, de 2016, pela Chiado Editora, e escreve no Blog da Neta.
Reportagem da TV Cultura sobre a ABL:
Fontes e +MAIS: