Há 10 anos… dia 24 de dezembro de 2006.
POR VALDOMIRO FERREIRA NETO*
“Yes, tivemos, e temos, Braguinha!”
Braguinha morreu em uma véspera de Natal, a poucos meses de completar 100 anos. Popularmente, também era João de Barro. Nascido Carlos Alberto Ferreira Braga, no dia 27 de março de 1907, no Rio de Janeiro, adotou o apelido do pássaro “arquiteto” quando fazia faculdade de arquitetura e já andava metido com música. Assim, com a alcunha, blindava o incômodo da família em ver um dos seus associados a um ofício que, à época, não era bem visto na classe média à que pertencia.
E esse pássaro voou, voou muito alto, nos legando canções que perduram até hoje como patrimônio imaterial do nosso afeto e cultura. Foi um arquiteto musical múltiplo, de biografia opulenta, impossível de sintetizar nestas mal traçadas linhas. Óbvio será citar a meiga “Carinhoso”, obra cativa entre as maiorais do século passado no País. Situa-se ao lado de “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, e “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, em termos monumentais. O nome associado imediatamente a ela é o de Pixinguinha, que, parafraseando Vinicius, chorou na flauta todas as nossas mágoas de amor. Mas a letra, até hoje repetida nos mais variados cantos desse Brasil continental, foi Braguinha quem escreveu, bons anos depois de Pixinguinha engendrar a melodia.
Mas a eternidade de Braguinha vai muito além de “Carinhoso”. As marchinhas de Carnaval, relicários da nossa cultura musical, tiveram nele um esteio fundamental. Marchinhas de sua cepa até hoje se infiltram nas festas de Momo, resistentes ao tempo, ousando rivalizar com os axés e sambas “modernos”. Algumas parecem existir desde o início das eras tropicais, como “Pirata da Perna de Pau”, “Linda Lourinha”, “Turma do Funil” e “As Pastorinhas”… Esta última uma parceria com Noel Rosa, de Vila Isabel, bairro que Braguinha frequentou na mocidade. E o que dizer de “Chiquita Bacana”, aquela que veio da Martinica? Foi com ela que Emilinha Borba se projetou. Outra personalidade histórica da música nacional que deu voz aos rabiscos de Braguinha foi Carmen Miranda. Ela gravou “Balancê”, que ganhou fama entre as gerações mais recentes na voz de Gal Costa e passou também a fazer parte das algaravias carnavalescas.
Carmen que, ao lado da irmã Aurora, tornou célebre outra pérola de Braguinha: “Cantores do Rádio”. Parceria com Lamartine Babo, a canção faria parte mais tarde do repertório de “Quando o Carnaval Chegar”, filme dirigido por Cacá Diegues com participações de Chico Buarque, Nara Leão, Hugo Carvana, Maria Bethânia e Antônio Pitanga.
A força criativa de Braguinha teve incrível penetração popular. Um episódio ilustrativo disso deu-se no jogo Brasil 6 x 1 Espanha, no Maracanã, pelo Mundial de 50. Dias antes do trágico Maracanazo de 16 de julho, a goleada sobre os espanhóis teve como trilha sonora “Touradas em Madri”, pérola fabricada por João de Barro com o parceiro mais habitual da carreira, Alberto Ribeiro. A seleção de Zizinho, Ademir de Menezes e Cia. colocava a Espanha na roda com a multidão enlouquecida cantando: “Eu fui às touradas em Madri, parara tibum bum bum, parara tibum bum bum…”
O talento de Carlinhos, tratamento carinhoso de família, espraiou-se também para o cinema. Chegou a dar argumento e ser assistente de direção em alguns filmes e mergulhou no universo infantil. Participou de dublagens para desenhos da Disney, como o primeiro e mais icônico dele, “Branca de Neve e os Sete Anões”. Adaptou canções para as crianças que se tornaram célebres, como para “Os Três Porquinhos” e “Chapeuzinho Vermelho”. A Continental lançou, nos anos 1940, uma coleção de disquinhos infantis idealizados por ele e que foram relançados, em CD, na década passada.
Por tudo isso, os brasileiros devemos festejar, em nome da nossa rica memória musical: “Yes, nós temos Braguinha”, como no título do enredo da Mangueira campeã do Carnaval de 1984, ano da inauguração do sambódromo do Rio de Janeiro.
* Valdomiro Ferreira Neto, 38, é jornalista e atualmente trabalha como editor do diário esportivo LANCE!. Pai da Beatriz, é apaixonado também por música, cinema e literatura. Expõe seus devaneios no blog Ideias Flutuantes.
Entrevista para a TVE:
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