Abebe Bikila: com os próprios pés

Há 55 anos… dia 10 de setembro de 1960.

10set1

POR CARLOS HENRIQUE PETROCILO *

De funcionário da Guarda do Imperador ao status de maior maratonista de todos os tempos. A vida de Abebe Bikila, filho de um pastor de ovelhas, virou dos avessos o dia em que abriu mão de calçar um tênis e correu 42,1 quilômetros descalço. Até aquele dia 10 de setembro de 1960, Bikila entrou na pista para a maratona das Olimpíadas de Roma subestimado apenas como um representante da Etiópia diante de outros 76 competidores, de 38 países.

Bikila só viajou para Itália, convocado de última hora, graças a uma lesão no tornozelo do então titular, Wami Biratu, e roubaria a cena. Sob sol escaldante e uma temperatura próxima aos 30 graus, o etíope conquistou a medalha de ouro ao cravar o tempo de 2h15min e 15seg, estabelecendo recorde mundial e olimpíco. Foi a primeira medalha de ouro para um negro africano em Jogos Olímpicos. Mais do que isso, a forma com que Bikila conquistou o ouro é o que deixa todos estarrecidos e ainda hoje, 55 anos depois, causa discussão.

Na época, a patrocinadora de material esportivo da delegação da Etiópia cedeu poucos pares de tênis. Bikila experimentou um por um. Como nada agradou, não teve dúvidas e largou descalço. Bem diferente de toda a pompa do favorito ao título, o marroquino Rhadi Ben Abdesselam.

O etíope e o marroquino monopolizaram a briga pelo ouro. Bikila venceu com uma diferença de 25 segundos. Rhadi, o marroquino, cravou o tempo de 2h15min e 41seg. Barry Mc Gee, da Nova Zelândia, completou o pódio, com a marca de 2h, 17min e 18seg.

No final, a imprensa mundial queria saber onde Bikila havia esquecido o calçado.“Não foi tão difícil como haviam dito. Estou acostumado a marchas e corridas na Etiópia. O calor não me molestou”, comemorou logo depois da maratona.

De volta ao país, onde a maioria convivia com a desnutrição, o funcionário da Guarda do imperador e, agora, medalhista olímpico, foi recebido como herói nacional. Teve flores e confetes. Um verdadeiro baile, parecia carnaval. Entre as celebrações, o imperador Haile Selassie promoveu o maratonista ao posto de cabo da Guarda e o condecorou com a Ordem da Estrela da Etíopa.

Os etíopes, orgulhosos, da inédita medalha de ouro gritaram o seguinte ditado: “foram necessários um milhão de soldados italianos para invadir a Etiópia, mas apenas um soldado etíope conquistou Roma”. Foi de lavar a alma.

Bikila tinha três anos quando tropas italianas invadiram a Etiópia, em 1936, e dominaram os africanos por cinco anos. A medalha, segundo os etíopes, simbolizou a mais perfeita vingança. E o maratonista um retrato da Etiópia que poderia, sim, vencer. “Queria que o mundo soubesse que meu país, a Etiópia, sempre tinha conseguido suas vitórias com heroísmo e determinação”, repetia o campeão olímpico.

No ano seguinte, ele venceu as provas na Grécia, Japão e Thecoslováquia e, depois de um ano e meio sem competir, sofreu a primeira derrota na prova de Boston. Na ocasião, ficou em quinto lugar. Há quem garanta que tenha sido a única queda.

Essa idolatria do povo ‘salvou’ o maratonista de punições severas. Na função de cabo, Bikila participou de uma rebelião para derrubar o imperador Hailé Selassié, porém, o golpe fracassou. Diante do clamor, o imperador resolveu perdoá-lo. Entre os argumentos, o de que o atleta pouco entendia dos bastidores políticos.

De volta ao que sabia fazer, na maratona das Olimpíadas de Tóquio, em 1964, Bikila conquistou novamente o ouro. Dessa vez, competiu de tênis por exigência dos organizadores e cravou o novo recorde mundial, com o tempo de 2h12min e 12seg. No retorno ao seu país, o herói nacional foi reverenciado mais uma vez pelo próprio imperador Selassié, que lhe presenteou com um Fusca zero quilômetro.

O presente, infelizmente, rendeu capítulos tristes em sua vida de astro. Aos 38 anos, em 1969, Bikila capotou o Fusca e perdeu os movimentos dos membros inferiores. Convidado especial, ele foi de cadeira de rodas ao Jogos em Munique, de 1972, e respondia ao público simpaticamente, sempre acenando com sorrisos. Até que, no dia 23 de outubro de 1973, o maior maratonista de todos os tempos deu adeus, aos 42 anos, vítima de uma hemorragia cerebral. Setenta e cinco mil pessoas foram ao enterro.

* Carlos Henrique Petrocilo, 32, é jornalista.

O melhor e mais emocionante clipe da vitória histórica está no site oficial das Olimpíadas. Por questões tecnológicas malucas, porém, não nos permitem disponibilizá-lo em formato de player no blog, como costumamos fazer. Ainda assim, recomendamos. Vale a pena assistir. Basta clicar aqui. Abaixo o melhor resumo em imagens da maratona:

Fontes:

Wikipedia – página sobre Abebe Bikila

Olympic.org – página dedicada a Abebe Bikila

Olympic.org – vídeo-resumo das façanhas de Abebe Bikila

ESPN – página dedicada a Abebe Bikila

Estadão – edição histórica

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