Há 50 anos… dia 14 de junho de 1965.
POR FELIPE FIGUEIREDO MELLO*
Já foi dito aqui, mais de uma vez, que a genialidade de Paul McCartney não é inata como a de sua alma gêmea John Lennon. Macca sempre foi o artesão trabalhador destinado a entalhar pacientemente suas canções.
Não há melhor e mais lapidar exemplo que “Yesterday”, cuja gravação completa 50 anos hoje!
Mas antes recordemos o que eram os Beatles nos primórdios: uma banda de rock em contínua evolução musical, formada por quatro sujeitos de personalidade marcante, excelentes músicos e letristas, assombrosamente carismáticos!
Em Anthology, fica clara a evolução da banda e o espaço e incentivo concedidos pelo produtor George Martin. Lennon/McCartney era mais que o crédito registrado em cada canção. Era uma sólida parceria, tensionada por inveja, respeito e admiração mútua entre os dois letristas. Em “Love Me Do”, o amor inocente de um garoto por uma garota, marcado pela inesquecível melodia da gaita de John. Em “She Loves You”, a ‘cena’ amorosa ganha uma terceira pessoa, como que um conselheiro amoroso orientando um jovem apaixonado. Em “From Me ToYou”, Paul explica, há uma inovação na melodia, com a variação em “I’ve got arms that long to hold you…”.
Além disso, o conceito de “álbum” começava a se alterar. Nos primeiros lançamentos, além dos compactos lado A/lado B, os álbuns eram mais uma compilação de singles do que um produto fechado da forma como conhecemos hoje. Tirando A Hard Day’s Night e Help!, discos correspondentes às trilhas dos filmes homônimos, foi apenas a partir de Rubber Soul que a banda começou a desenvolver álbuns com começo, meio e fim.
De volta à cinquentona do dia: conta-se que a melodia de “Yesterday” foi fruto de um sonho de Paul ainda em 1964. Certa noite, dormindo na casa de sua namorada Jane Asher, ele acordou e levantou-se da cama com uma melodia martelando a cabeça. Correu para o piano e começou a tocar algo que, para ele, soava como plágio de algum jazz ou música clássica que seu pai costumava ouvir. Durante um mês, apresentou a música a diferentes pessoas de forma a confirmar que não se tratava de plágio, mas um presente de seu subconsciente!
Em seguida, já se considerando autor da melodia, Paul começou a quebrar a cabeça para escrever a letra. Como era praxe em sua parceria com John, sempre espirituosa, preencheu a música provisoriamente com “Scrambled eggs/Oh, my baby how I love your legs”. E assim ficou por meses. A cada vez que se reunia com John para escrever outras músicas, Paul trazia sua “Scrambled Eggs” junto!
Foram tantos meses que durante a gravação do filme “Help!”, Paul gastava todos os intervalos que podia para usar o piano do set e trabalhar na letra da música, algo que atormentou diretor do filme, Dick Lester: “Ou você termina essa porcaria, ou desiste dela! Se não, vou me livrar desse piano!”, disse ele.
Ao que parece, em uma viagem para o Algarve, em Portugal, em maio de 1965, Paul finalmente terminou a letra e deu o título que hoje conhecemos.
Depois de toda essa novela para compor os versos, o quarteto e seus homens dos bastidores, o produtor George Martin e o empresário Brian Epstein, se viram diante de alguns impasses: a música era Lennon/McCartney ou apenas McCartney? A banda, acostumada a tocar apenas rock’n’roll, iria lançar um single solo sem nenhum traço roqueiro ou a ofereceria a outro músico? Paul deveria explorar mais o terreno solo em que havia pisado ou seguiria firme na parceria com George, Ringo e, principalmente, John?
Epstein, sabendo do potencial da banda, sequer considerou a possibilidade de ‘quebrar’ a parceria Lennon/McCartney, e Martin, consciente da capacidade musical da banda, começou a considerar os novos horizontes que se apresentavam para os garotos. Entre a banda, havia uma sensação de que aquilo que havia ocorrido era uma exceção muito benvinda, e que não deveria ser motivo de ciúme ou atrito. Eles apenas não sabiam exatamente aonde aquilo os levaria!
Aproveitando-se do fenômeno da beatlemania que tomava conta da América e como forma de testar a aceitação do público, a banda decidiu lançar lá primeiro o single de “Yesterday”, com “Act Naturally” no lado B. No Reino Unido, a música fez parte do álbum Help! e foi lançada posteriormente. Dos dois lados do oceano Atlântico foi um estrondoso sucesso! Em menos de um mês, ainda em outubro de 1965, a música alcançou o topo das paradas da Billboard e lá ficou por onze semanas!
Outro efeito interessante da música, especialmente por deixar de lado o rock, foi a conquista de um público mais velho.
“Yesterday” foi, por muito tempo, a música mais tocada nas rádios e televisões ao redor do mundo, de acordo com a BMI (Broadcast Music Inc.). Também é considerada a música mais regravada de toda a história, com mais de 3000 versões diferentes, entre elas as de Frank Sinatra e Ray Charles!
De todas as histórias que envolvem a obra de McCartney, a que mais gosto é a de um show da banda em Blackpool, em 1965, quando o quarteto ainda parecia desconfortável com os impasses mencionados acima: depois de tocar sozinho no palco, com um holofote sobre si, Paul ouve os efusivos aplausos e vê a banda retornar. John, espirituoso como sempre, quebra a “camada de gelo” que parecia envolver o ambiente: “Muito obrigado, Ringo! Foi maravilhoso!”
* Felipe Figueiredo Mello tem “Yesterday” no seu top 10 pessoal!
Take 1 de “Yesterday”, lançado no Anthology 2:
Fontes e +MAIS:
Obrigado pela correção, caro Wander. Grande abraço, Fernando.
Parei de ler com a citação de “From Me to You” q tá errada. Não é “… along…”, mas sim “… that long…”!