Há 10 anos… dia 17 de janeiro de 2005.
“Como o morro não tem direito a defesa, só tem o direito de ouvir… ‘marginal’, ‘ladrão’, ‘safado’, etc… Como é que ele vai fazer? Então, O que é que fazem os autores do morro? Eles dizem cantando o que eles queriam dizer falando. E eu sou o porta-voz”.
Não há como discordar. Ele foi o porta-voz do morro.
Divulgou o trabalho de gente à margem da indústria fonográfica e da mídia. Gente que ainda é discriminada pela sociedade e esquecida pelo Estado.
1000tinho, Barbeirinho do Jacaré, Baianinho, Em Cima da Hora, Embratel do Pandeiro, Trambique, Zé Dedão, Popular P., Pedro Butina, Simão PQD, Wilsinho Saravá, Rubens da Mangueira, Pinga, Dunga da Coroa, Jorge Laureano, Adelzo Nilto, Edson Show… Só alguns dos compositores que ele abraçou e fazia questão de dar crédito.
Bezerra da Silva foi um cara generoso. Um “malandro do bem”. Partideiro dos melhores.
Recifense, conheceu desde cedo a dureza da vida. O pai sumiu antes mesmo de seu nascimento. Com 15 anos, foi expulso da Marinha Mercante e veio para o Rio. Em um navio cargueiro de açúcar!
Na Cidade Maravilhosa, foi morar no Morro do Cantagalo e trabalhou como pintor e ajudante de pedreiro. Conhecedor do coco e tocador de zabumba, Bezerra ingressou na música no início dos anos 1950. Começou a tocar tamborim no bloco Unidos do Cantagalo, onde conheceu Doca, que o chamou para participar do “Programa da Rádio Clube do Brasil”.
Foi o pontapé inicial para uma brilhante carreira. Não sem alguns percalços, como uma série de detenções e até uma tentativa de suicídio, na época em que chegou a morar na rua. A salvação veio pela música, em “visão” confirmada por uma mãe-de-santo.
Primeiro José Bezerra, depois Bezerra da Silva, gravou 25 discos, como Alô malandragem, maloca o flagrante, Presidente caô, caô e o histórico Moreira da Silva, Bezerra da Silva e Dicró – Os Três Malandros in Concert, paródia bem-humorada dos três tenores, Luciano Pavarotti, Plácido Domingo e José Carreras.
Além da denúncia social, foi o humor que permeou toda a sua obra. Letras engraçadíssimas, como “Se Leonardo da Vinci porque é que eu não posso dar dois?” ou “Sequestraram minha sogra, bem feito pro sequestrador/Ao invés de pagar o resgate, foi ele quem me pagou”, marcaram Bezerra como um sambista sagaz e rápido no gatilho.
Um versador que chamou a atenção do pessoal do rap e do hip hop, como Marcelo D2, e até do rock, como o Barão Vermelho, que deram mais visibilidade a um artista até hoje ainda ignorado pelo mainstream nacional.
Azar do mainstream nacional!
Afinal, “malandro é malandro, mané é mané”.
Grande Bezerra da Silva! Nos 10 anos de sua partida, fiquem com a música desse “malandro do bem”.
Documentário “Onde a Coruja Dorme”, sobre a vida de Bezerra da Silva:
Fontes: