Há 40 anos… dia 2 de outubro de 1974.
POR VALDOMIRO FERREIRA NETO*
A despedida do Cristo Rei. Evoé, Pelé!
Foi o dia de Cristo Rei! O Rei Pelé, maior atleta do século XX, estendeu os braços, como um redentor, e agradeceu aos reverentes súditos. Não sobre a Guanabara, que tantas vezes encantou com seu futebol divino. Foi o Rei Pelé de braços abertos no circulo central da Vila Belmiro, sua casa, sua vida! Longe de crucificado, um Cristo Rei abençoado, da carreira mais gloriosa, que mudou a história de um clube para todo o sempre. Ajoelhado no gramado que santificou, e no Santos ficou, por 18 anos, desde 56.
Eu gostaria de ter estado lá, naquele 2 de outubro. Nasci pouco mais de três anos depois do adeus, com o Peixe na veia, com os feitos de Edson, de menino a veterano, para a posteridade. As histórias de Santos e Pelé, afinal, se confundem e fundem. Há quem diga que o camisa 10 fundou mesmo o Santos, embora o clube já tivesse 44 anos de vida e dois títulos paulistas (35 e 55) quando ele estreou no profissional. O fato é que o Peixe é A.P. (Antes de Pelé) e D.P. (Depois de Pelé), com um calendário cristão próprio. A cristandade da bola determinada pelo melhor jogador que o esporte já viu.
Um jogo corriqueiro, pelo primeiro turno do Campeonato Paulista, transformado em memorável pelo gesto findo e lindo do maioral. Do autor de 1.091 gols com a camisa alvinegra, mais que o dobro de Pepe, o segundo na história, com 401. Pepe que sempre diz ser, na verdade, o primeiro, já que “Pelé é extraterrestre”. A despedida deu-se com a camisa listrada em preto e branco, embora todo de branco, como alabastro, ou noiva, na adorada visão dos santistas, é que a memória seja mais acentuada.
O que menos importa daquele dia foram os 2 a 0, gols do artilheiro dos múltiplos clubes Cláudio Adão e um contra, de Geraldo. O gesto de Pelé, ainda aos 22 minutos da primeira etapa, virou alto-relevo na lembrança de todos os santistas. E até mesmo dos outros torcedores, pois seu choro, em volta olímpica, faz parte da comoção coletiva. Se três anos antes se dera a última partida pela Seleção Brasileira, contra a antiga Iugoslávia, no Maracanã, outro dos seus cenários sagrados, desta vez encerrava-se mesmo o sonho nacional.
Parodiando Drummond, Pelé era uma foto na parede, como dói! Nunca mais nós, os brasileiros veríamos, o maior de todos desfilando sua categoria nos campos do País. Com 34 anos, resolveu dar trégua aos músculos, já havia feito demais, com coleção de troféus por Santos e Seleção Brasileira e relicário de gols únicos. Gols que fizeram o já citado Drummond, cuja mineirice espelhou a precisão das palavras, escrever: “O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé”.
Contam os arquivos que 20 mil torcedores se amontoaram – verbo mais adequado para aqueles tempos – no dia do adeus de Pelé na Vila. O alçapão glorificado no hino oficioso do clube, a marcha “Leão do Mar”, de Mangeri Neto e Mangeri Sobrinho, reverenciou o Rei. Edson Arantes de Nascimento, que ainda jogaria pelo Cosmos, nos Estados Unidos, transformava aquela noite de quarta-feira em cinzas da sua arte. E os santistas louvavam, agradecidos, os dez títulos estaduais, cinco da Taças Brasil, um Roberto Gomes Pedrosa, duas Libertadores, dois Mundiais de Clubes e outros tantos torneios internacionais.
Evoé, Pelé!
FICHA DO JOGO
Santos 2 x 0 Ponte Preta
Gols: Cláudio Adão, aos 30 minutos do primeiro tempo, e Geraldo (c), aos 11 minutos do segundo tempo.
Local: Estádio Vila Belmiro, em Santos.
Competição: Campeonato Paulista de 1974/Primeiro Turno
Público: 20.258 pagantes
Árbitro: Emídio Marquez Mesquita
Santos: Cejas; Wilson, Vicente, Bianchi e Zé Carlos; Léo e Brecha; Cláudio Adão, Da Silva, Pelé (Gílson) e Edu. Técnico: Tim
Ponte Preta: Carlos; Geraldo, Oscar, Zé Luiz e Walter; Serelepe e Serginho; Adílson, Waldomiro, Waltinho (Brasília) e Tuta.
* Valdomiro Ferreira Neto, 36, é jornalista e atualmente trabalha como editor do diário esportivo LANCE!. Apaixonado também por música, cinema e literatura, expõe seus devaneios no blog Ideias Flutuantes.
Matéria do programa Grandes Momentos do Esporte, da TV Cultura, relembrando a despedida de Pelé do Santos:
Fontes: