Há 40 anos… dia 25 de abril de 1974.
POR NETA MELLO*
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar.
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
A letra da música “Tanto Mar”, de Chico Buarque, teve sua primeira versão, de 1975, vetada pela censura do governo militar brasileiro. O disco saiu em Portugal no mesmo ano. Essa versão passou a ser cantada nas universidades brasileiras como um hino pela volta à democracia, que só ocorreria em 1985. O “cheirinho de alecrim” seria a liberdade sonhada.
Em 1978, uma segunda versão passou pela censura com a letra modificada.
E por que “Tanto Mar” incomodou o governo militar brasileiro?
Em Portugal, depois de anos da ditadura salazarista, a democracia conseguiu espaço num país atrasado, praticamente agrícola, sem indústrias e que vivia ainda sob um sistema colonial anacrônico. Guiné-Bissau, Moçambique e Angola, colônias na África, haviam criado movimentos de guerrilhas contra a dominação. Queriam a libertação.
Jovens portugueses tinham de cumprir serviço militar obrigatório por dois anos nas colônias e também se revoltavam com a situação. Muitos fugiram para o Brasil, outros arrumaram atestados médicos para provar uma doença, uma deficiência física e conseguiam se livrar do exército.
Em 1932, Antônio de Oliveira Salazar assumiu o cargo de primeiro-ministro das finanças, que lhe deu um poder ditatorial. O regime e a nova Constituição de 1933, inspiradas no fascismo italiano, tiraram qualquer liberdade de reunião e expressão em Portugal.
Salazar sofreu derrame cerebral em 1968 e foi substituído por seu ex-ministro Marcelo Caetano. A ditadura permaneceu. Parte da população e das Forças Armadas já não aceitavam os problemas econômicos a as guerras coloniais. Inicia-se um movimento contra a ditadura e Marcelo Caetano. Em 1973, forma-se o Movimento das Forças Armadas (MFA), com a autorização de Marcelo Caetano.
A revolução começa em 25 de abril de 1974, com os oficiais Otelo Saraiva de Carvalho e Basco Lourenço. Marcelo Caetano é deposto e foge para o Brasil, onde é bem recebido pelo governo militar.
O general Antonio de Spinola assume a presidência. Com o fim da censura, o povo sai para comemorar com os soldados, nas ruas de todo o país. Foi um movimento pacífico, segundo os portugueses. O cravo, flor símbolo de Portugal, virou também o símbolo da liberdade. Todas as pessoas cantavam, com cravos nas mãos. Os militares colocaram flores nos canos das armas e até nos tanques.
Nas colônias, a luta pela libertação continua e guerras sangrentas duram muitos anos. Portugueses nascidos na África são obrigados a retornar ao país, formando uma geração de “retornados” que sequer conhecia a terrinha. Haviam criado raízes na África.
Mas essa história fica pra outro dia… Porque todo dia é histórico.
“Tanto Mar” – letra de 1975
Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
* Neta Mello, 59 anos, é historiadora e escritora. Tem quatro livros publicados e escreve no Blog da Neta.
Chico Buarque, a Revolução dos Cravos e as duas versões de “Tanto Mar”:
Fontes: