Há 70 anos… dia 8 de março de 1945.
POR FERNANDA VIANA*
Muito antes de me apaixonar pela cultura espanhola e pela dança flamenca, Federico García Lorca já tinha grande influência em minha vida. Meu avô Ivan, um amante da boa leitura e um apaixonado por Lorca, era dono de uma verdadeira biblioteca pessoal, cheia de relíquias cuidadosamente conservadas. De tempos em tempos, ele fazia uma eleição pessoal, caprichava na dedicatória e passava o “tesourinho” pra frente. Felizmente, herdei alguns deles, e entre Saramagos, Monteiros Lobatos e Nelsons Rodrigues, eu confesso: Lorca sempre foi o meu preferido.
Nascido em Granada e fascinado por Andaluzia (taí o segundo motivo que me fez admirar ainda mais o poeta e dramaturgo espanhol), Federico García Lorca alcançou a posição de dramaturgo ilustre com a trilogia de dramas folclóricos: “Bodas de Sangue”, “Yerma” e “A Casa de Bernarda Alba” – a última escrita em 1936, trinta dias antes de ser assassinado pelo governo espanhol, durante a Guerra Civil (1936-1939).
Há dois anos, tive o privilégio de fazer parte de uma montagem de “A Casa de Bernarda Alba”, adaptada para um espetáculo de dança. A peça se passa dentro das frias paredes da casa de Bernarda Alba – personagem central. Bernarda é uma matriarca dominadora que mantém suas cinco filhas, Angústias, Madalena, Martírio, Amélia e Adela, sob vigilância tirânica. Sua postura implacável mantém um clima de tensão constante.
Terceiro sinal. Todos devidamente acomodados em seus lugares. As cortinas se abrem e em cena um cortejo fúnebre. Sinos tocam no pequeno povoado espanhol, comunicando que acaba de falecer o segundo marido de Bernarda. Em cena, um grupo de mulheres com véus negros dançam uma “petenera” – baile flamenco interpretado de forma lenta e sentimental. Historicamente, existe uma superstição: dançar ou cantar uma “petenera” atrai má sorte para aqueles que a interpretam. Assim começa “A Casa de Bernarda Alba”.
Está decretado o luto. Oito anos de reclusão. Nenhuma janela deve ser aberta e somente roupas escuras em tempos de calor escaldante. Algumas coreografias depois, chega ao vilarejo um grupo de jovens ceifadores, despertando nas jovens enclausuradas o espírito adolescente até então sufocado por Bernarda. Estão em cena três mulheres e um homem. Todos devidamente caracterizados. As movimentações são fortes, secas e precisas. O compasso da coreografia é rápido, terminando por “bulería” – popularmente conhecido como o baile flamenco mais rápido.
Entre os ceifadores, está o galanteador Pepe Romano. Tem início uma selvagem e cruel disputa dentro do casarão. As moças imaturas – e agora incontroláveis! – brigam pelo amor de um mesmo homem, sem saber das trágicas consequências. O fim de “A Casa de Bernarda Alba” deixa o espectador encolhido na poltrona.
Já assisti a algumas montagens e, personagens e cenas à parte, trata-se de uma verdadeira crítica ao papel da mulher na sociedade espanhola na década de 1930. Os dotes, etiquetas e “bons costumes” versus a simples vontade de viver a vida em plena juventude. E foi assim que Federico García Lorca alcançou o status de dramaturgo genial. E eu tive o privilégio de dançar a sua obra.
* Fernanda Viana é bailarina, professora, integrante do Coletivo Acuantos e sente muita saudade do incrível vovô Ivan.
Aclamada montagem da peça, de 1998:
Fontes:
Um comentário sobre ““A Casa de Bernarda Alba” estreia em Buenos Aires”