Morre ‘Il Pirata’ Marco Pantani, o escalador original

Há 10 anos… dia 14 de fevereiro de 2004.

POR LEANDRO BITTAR*

Há 10 anos, em 14 de fevereiro de 2004, Marco Pantani foi encontrado morto em um pequeno hotel em Rimini, na Itália, próximo a sua cidade natal, Cesenatico, na região de Emilia & Romagna. A morte, supostamente por overdose de cocaína, foi um fim previsível de um atleta amado mundialmente e endeusado na Itália, mas que, todavia, vivia o fundo do poço, deprimido, viciado e com um forte sentimento de rejeição pelo esporte que mais amava.

Em uma década, a paixão dos italianos por seu último grande herói manteve-se incólume. São incontáveis filmes, documentários, livros, esculturas e reportagens especiais sobre aquele que é considerado o melhor escalador do ciclismo de todos os tempos. Não há dúvida de que foi o último de uma linhagem de escaladores que não existem mais.

Uma prova da idolatria de Pantani em seu país: hoje a televisão italiana promete 12 horas de programação especial, com uma retrospectiva e um talk show com jornalistas, dirigentes e esportistas que conviveram com o atleta. Em sua terra natal, Cesenatico, grandes rivais e amigos, como o alemão Jan Ullrich (campeão do Tour em 1996) participam das comemorações em sua memória. O Giro d’Italia, prova mais importante do ciclismo italiano e uma das grandes voltas do ciclismo de estrada, terá ‘Il Pirata’ como grande homenageado desta edição.

Até Lance Armstrong, que vive um período de aproximação e gentilezas com o esporte que o baniu por trapaça, publicou um longo artigo no site de ciclismo Cyclingnews, sobre seu relacionamento com o italiano. Apesar do texto em tom lúdico e conciliador, o norte-americano foi um dos principais rivais de Marco Pantani. Os dois nunca foram amigos e o italiano nutria uma raiva motivada pelo sucesso anormal de Armstrong e também pela postura arrogante do ex-heptacampeão do Tour. A disputa entre os dois na chegada do Mont Ventoux, em 2000, na qual Armstrong deixou o italiano vencer, por pena, retrata bem o conflito entre os dois.

Pantani viveu o auge da carreira em 1998, quando venceu o Giro d’Italia e o Tour de France seguidamente. Foi o último a conseguir tal façanha. E trouxe com o feito uma grande desconfiança sobre seu desempenho. O fato é que a derrocada se iniciou já no ano seguinte, no Giro d’Italia, quando caminhava rumo ao bicampeonato e, na penúltima etapa, um exame apontou um nível de hematócrito acima do normal e ele foi suspenso por 15 dias.

A desconfiança sobre a eficácia do exame e também sobre o procedimento realizado fez Pantani desmoronar psicologicamente. Ele se sentiu perseguido e prejudicado pelos dirigentes em seu próprio país. Anos mais tarde, a ex-namorada, Christina Jonsson, afirmou que o vício em cocaína foi consequência daquele conturbado período.

Ainda competindo em bom nível nos anos seguintes, mas nunca mais com o mesmo encanto, Marco Pantani foi perdendo a luta para a depressão, as drogas e a bebida. Em 2003, sua equipe não foi convidada para o Tour de France e, apesar de propostas de outros times, optou por se recolher em uma clínica de reabilitação. Seus últimos meses foram de extremo isolamento, com poucas – e péssimas – informações sobre seus atos, até culminar na sua morte, no ano seguinte. Apesar da versão oficial de suicídio, muitas dúvidas correm sobre o tema, incluindo uma versão de sua mãe, Tonina, de que ele teria tido companhia no quarto no dia da morte.

O velório de Pantani reuniu cerca de 30 mil pessoas em seu cortejo. Ele foi sepultado ao lado do avô, Sotero, que lhe deu a primeira bicicleta. Em nove páginas de seu passaporte, Pantani deixou uma carta na qual esboçou uma mensagem lamentando a demonização de sua imagem nos últimos anos de vida. Deixou, ainda, uma mensagem sobre o futuro do ciclismo, dando a entender que o doping era um caminho perigoso (no seu caso, fatal). Dez anos mostraram que sua mensagem – e sua morte – não foram capazes de mudar muita coisa, ao passo que um dos seus desejos, um diálogo mais honesto sobre o tema, tenha se iniciado. Pantani morreu antes de ver seus principais rivais, Jan Ullrich e Lance Armstrong, banidos do esporte por doping.

O doping e a trapaça ainda são temas muito dolorosos para o ciclismo e é impossível dissociá-los dos grandes feitos de Pantani. Os corajosos ataques nas montanhas e os títulos do Giro e do Tour no mesmo ano sempre andarão lado a lado com a suspeita. O fato é que Pantani viveu os anos nos quais o doping foi mais descontrolado no ciclismo e não dá para imaginar nem um dos seus adversários competindo de outra forma.

Ao mesmo tempo, muita gente questiona a idolatria por Marco Pantani (e de todos os outros daquela geração). Afinal, todos competiram fora das regras. Racionalmente, venerar Pantani é valorizar a trapaça, por mais que se tente relativizar isso. A paixão, no entanto, relembra Pantani como o mais distinto entre os grandes ciclistas de sua época. Talvez tenha sido o último showman do esporte, por sua garra e sua gana. Mas sua carreira e seu fim são um retrato de uma montanha que o ciclismo não consegue ultrapassar. Cultuar Pantani e sonhar com o ciclismo sem doping é um paradoxo que os amantes do ciclismo ainda vão precisar de outros dez anos (ou mais) para conseguir entender.

* Leandro Bittar é jornalista. Apaixonado pelo ciclismo, vive o paradoxo de ser fã de Pantani e sonhar com um esporte limpo.

O pai de Marco Pantani, Paolo, fala sobre o filho:

Fontes:

– Wikipedia

– Cyclingnews

+MAIS: Clique aqui para assistir ao documentário “I Miti del Ciclismo – Marco Pantani”.

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