Há 20 anos… dia 12 de janeiro de 1995.
A grande noite do rock em 1995
POR WALTERSON SARDENBERG Sº*
Dizem que o Museu do Rock’n’roll Hall of Fame foi criado com o objetivo principal de dar alguma atração turística à modorrenta cidade de Cleveland, no estado norte-americano de Ohio. Pode ser. Havia a desculpa de que foi ali que o radialista Alan Freed criou a expressão rock’n’roll, em 1952. De qualquer maneira, a instituição acabou vindo à luz em 1986, com a ideia de, ano a ano, incluir artistas históricos no panteão dos roqueiros. Só em 1995, de fato, o museu propriamente dito teve as portas abertas — e com um crivo digno do Instituto Smithsonian. A cerimônia de “indução”, no entanto, continuou ocorrendo em Nova York, onde vinha acontecendo desde o início, com direito a show e a um jantar de gala.
Justamente para comemorar a inauguração do museu, a festa de 1995 foi um arraso. A lista daquele ano dos novos integrantes do Hall of Fame — criada, em geral, com critérios tão obscuros quanto os do Oscar — era o fino em matéria de música popular. Como de costume, cada “indução” foi feita por um padrinho, em geral, alguém musicalmente influenciado pelo homenageado.
Assim, a cantora Natalie Cole (filha de Nat “King”) apresentou o grande Al Green, um dos criadores do soft soul, e, já naquele ano de 1995, pastor protestante do Full Gospel Tabernacle, em Memphis. Explicando: no ano de 1974, uma ex-namorada deu um banho de mingau fervendo em Al, causando-lhe queimaduras de segundo grau nos braços, nas costas e na barriga. Para piorar, a garota se matou com um tiro. Al ficou tão encanado que se apoiou na religião. Aos poucos, retornou ao soul, sem abdicar dos cultos.
Outro homenageado da noite foi o visionário Frank Zappa. Ele havia morrido apenas dois anos antes, com 52 anos, de um câncer de próstata. Lou Reed falou a respeito do contemporâneo, antes de entregar o prêmio a uma das filhas de Zappa, a cantora Moon Unit. Sim, o nome dela é Unidade Lunar.
Se Zappa teve um “padrinho” à altura em Lou Reed, o mesmo não se pode dizer da maior cantora branca de blues da história. A texana Janis Joplin, morta em 1970, de overdose, aos 27 anos, foi homenageada por Mellissa Etheridge, mais famosa por ter “roubado” a cineasta Julie Cypher do ator Lou Diamond Phillips, do que por seus atributos artísticos. Ainda assim, sua interpretação, no show, de “A Piece of My Heart”, do repertório de Janis, não deixou ninguém constrangido.
Também gigantes do rock, a Allman Brothers Band entrou na mesma noite para o Hall of Fame. Eles foram os pais de um sub-gênero muito rico, o blues branco do Sul, com influências country e “duelos” de guitarras. Em sua esteira, vieram, nos anos 1970, o Lynyrd Skynyrd, Marshall Tucker Band, Clímax Blues Band e Charlie Daniels Band, entre outras bandas. Com o gorducho (e ótimo) guitarrista Warren Haynes substituindo Duanne Allman (morto em um acidente de motocicleta, em 1971), o grupo, apresentado no concerto pelo “padrinho” — e lendário — cantor Willie Nelson, tocou naquela noite um de seus clássicos: “One Way Out”. Por sinal, em uma versão digna daquela do disco ao vivo no teatro Fillmore East, de 1971. Greg Allman, cantor e tecladista da banda, é capaz de grandes loucuras — casar-se com a Cher, por exemplo —, mas, naquela noite, estava nos trinques.
Teve mais. O ótimo, e sempre surpreendente, cantor, compositor e guitarrista canadense Neil Young também se viu agraciado a subir o Olimpo do Hall of Fame. Quem o apresentou foi um fã: Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam. Naquele ano, Vedder emprestaria a própria banda a Young para a gravação de um bom álbum, “Mirror Ball”.
A noite ainda teria o grupo vocal de rythm’n’blues Martha and the Vandellas — o girl group rival das Supremes nos anos 1960 —, induzido pelas hoje obscuras figuras de Fred Schneider e Kate Pierson, da banda de new wave B-52’s. Mas o ponto alto daquele dia 12 de janeiro foi mesmo o retorno do Led Zeppelin. Os decanos do heavy metal se viram apresentados por Steve Tyler e Joe Perry, do Aerosmith. Emoção pura. Lá estavam o guitarrista Jimmy Page, o cantor Robert Plant (ainda não era um sósia do nosso INRI Cristo) e o baixista/tecladista John Paul Jones. No lugar do baterista John Bonham, o Bonzo (morto em 1980, por coma alcoólico) assumiu as baquetas o filho do próprio, Jason.
O Zeppelin dividiu o placo com Neil Young em uma versão de “When the Levee Breaks” — que ficou mais para Neil em seus exercícios com o grupo Crazy Horse do que para Zeppelin — e com o Aerosmith, em “Bring it on Home”.
Antes de participar do espetáculo, Robert Plant esnobou o prêmio, em uma entrevista para a Rolling Stone americana: “É a indústria se masturbando. Não vejo relevância nisso — mas estarei lá. Estarei por vários motivos externos. Se formos, será por causa de Bonzo, na verdade. Gostaríamos de levar a filha dele junto, que mal conheceu o pai, mas obviamente foi afetada por ele. Só que, como instituição, não entendo. É uma versão glorificada do Hard Rock Cafe — só que com uma comida melhor. Quer dizer, quem quer saber das roupas que David Bowie usava? É falsidade.”
Bem, as exposições com as roupas e objetos de David Bowie foram um sucesso internacional recente — inclusive em uma mostra do ano passado, no Museu da Imagem do Som, em São Paulo. No caso de Zoe, filha de John Bonham, subiu ao palco com os “titios” para receber a homenagem. Quanto ao Hall of Fame, incluiu até a Madonna, em 2008. Já a comida, naquele 12 de janeiro, foi, de fato, bem melhor do que a do Hard Rock Café.
Os homenageados jantaram no Waldorf Astoria.
* Walterson Sardenberg Sº, jornalista, gosta de dizer que nasceu na mais importante data do rock: 6 de julho de 1957. Foi o dia em que John Lennon e Paul McCartney se conheceram. No dia seguinte, Pelé fez sua estreia na Seleção, marcando um gol contra a Argentina. Infelizmente, o Brasil perdeu por 2 a 1.
Led Zeppelin e Neil Young tocam “When the Levee Breaks”:
Fontes: