29 de setembro de 1964
POR FELIPE FIGUEIREDO MELLO*
O que Mafalda diria do mundo hoje, data dos seus 50 anos?
Eis a pergunta que me fiz depois de tanto pensar sobre o quê escrever da personagem das tiras do gênio Quino.
A não ser por livros de História, pelas histórias dos mais velhos e pelo que há de arquivado por aí, não sei exatamente como era o mundo há 50 anos!
Vejo apenas que era um mundo que clamava por liberdade, por igualdade, por paz.
Muita coisa mudou desde 29 de setembro de 1964, quando a primeira tirinha de Mafalda foi publicada na revista argentina Primeira Plana: a Guerra Fria acabou, o Muro de Berlim foi derrubado, a Argentina e a maior parte da América Latina vivem democracias mais ou menos sólidas, mais e mais pessoas compartilham daqueles ideais…
Cinquenta anos atrás, a encantadora personagem do ilustrador argentino talvez não tivesse a menor ideia do alcance que suas palavras teriam. Nem mesmo seu “pai” sabia, já que as tirinhas foram inicialmente pensadas para propagandear um fabricante de eletrodomésticos.
O fato é que mesmo tendo desenhado e publicado Mafalda por curtos nove anos, foi por causa dela que Quino conseguiu estrondoso sucesso mundo afora, com traduções para incontáveis línguas!
Além do idealismo, penso que o que encanta em Mafalda é a persistência. Afinal, ainda hoje, seguimos sonhando com o mundo idealizado pela niña argentina.
E, vejam: não se pode confundir sua persistência com ingenuidade ou inocência. Mafalda, com a sinceridade e o olhar puro de uma criança, dá voz às lutas contra o que há de mais errado e injusto no mundo.
É nesse universo infantil que Quino escolheu diluir sua característica acidez. Provavelmente por causa da tensa situação social e política de seu país, o ilustrador escolheu endurecer com enorme ternura.
Mais do que a garotinha, Quino soube retratar no cotidiano infantil as mais difíceis questões do momento pelo olhar dos amigos de Mafalda: seu amigo Filipe, angustiado com as responsabilidades que a vida lhe colocaria, no eterno dilema entre estudar ou não para a prova do dia seguinte. Susanita, a representação da elite alienada da realidade, debochando de Mafalda e sonhando com seu príncipe encantado. Manolo, o filho de comerciante da classe média, fadado a cobrar os “fiados” e a comemorar a alta de preços. Miguelito, o pequeno sonhador que muitas vezes tropeça na dura realidade. E, por fim, Liberdade, magistralmente representada por uma menina muito pequenina que tentava, a todo custo, se fazer ouvir!
Na casa de Mafalda, talvez representando os próprios leitores das tirinhas, seus pais. Adultos enfrentando a dura e concreta realidade de pagar contas e se conformar com o mundo lá fora.
É impossível não se apaixonar por Mafalda e seus amigos. As coletâneas de tirinhas são “livros de cabeceira” para sempre!
Hoje, mesmo com tantas mudanças positivas no mundo nestas cinco décadas, Mafalda certamente estaria encarando seu globo terrestre com o mesmo olhar de preocupação.
Ela não está sozinha!
* Felipe Figueiredo Mello, às vezes, acha que é Filipe.
Reportagem da CNN en Español sobre os 50 de Mafalda:
+MAIS: