Há 90 anos… dia 3 de junho de 1924.
POR VALDOMIRO FERREIRA NETO*
“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo da qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante de seus olhos” (Primeiro parágrafo de A Metamorfose. na tradução de Modesto Carone para a Companhia das Letras)
Há exatos 90 anos morria o “autor do absurdo”. O tcheco Franz Kafka, que nasceu nos estertores do século XIX, quando sua Praga natal era parte do Império Austro-Húngaro. Aquele que fez um homem acordar inseto para expor a pobre condição humana em A Metamorfose, introdução deste texto, certamente seu título mais popular. Aquele que influenciou escritores modernos, como o recém-falecido Gabriel García Márquez, que contou ter começado a escrever por influência dele. Um ícone do romance moderno, atualíssimo no sufocamento que descreve em suas obras, muitas delas publicadas postumamente.
O termo kafkiano (os fãs da monumental série Breaking Bad hão de lembrar do capítulo com esse nome) tornou-se corrente. Atormentado, o autor tcheco, judeu que escrevia em alemão, foi complexo em seus textos. Parte vital de sua obra não seria de nosso conhecimento não fosse a traição do amigo Max Brod, a quem pediu, por escrito, para queimar diários, cartas e suas obras que julgava incompletas. São os casos de O Castelo e O Processo, talvez os dois grandes monumentos que Kafka legou à humanidade. A traição de Brod permitiu-nos conhecer as enternecedoras figuras de Joseph K e K (a inicial K similar nos dois personagens não é à toa, como entenderá quem se dispor a ler ambos os livros). Homens oprimidos por um estado burocrático, que os faz réus e impotentes. Espécies de insetos metafóricos (em contraponto com o homem-inseto de A Metamorfose), pisoteados pelo poder inclemente.
Outro texto muito conhecido de Kafka, facilmente encontrável em livrarias, é Carta ao Pai. Uma extensa missiva que escreveu derramando seus rancores em relação à figura paterna. Escrito que também não queria ver publicado e que fez parte dos calhamaços que pediu a Brod para queimar. A vida de Kafka, difícil pelas dores, pesares e inquietudes, está nas páginas que preencheu. O tal sufocamento do ser humano diante da existência e das máquina de poder estampa sua obra.
Kafka morreu jovem, com apenas 41 anos, tuberculoso, sofrido. Sua obra retrata sua angústia com um mundo burocrático, irresoluto. Muito atual ao pintar a injustiça, especialmente em O Processo. Se seu nome é sinônimo de absurdo, não trata-se de um absurdo irreal, pois trata da absurda realidade humana.
* Valdomiro Ferreira Neto, 36, é jornalista e atualmente trabalha como editor do diário esportivo LANCE!. Apaixonado também por música, cinema e literatura, expõe seus devaneios no blog Ideias Flutuantes.
Documentário alemão “Quem foi Kafka?” – clique para gerar a visualização:
Fontes: